62: O regresso episódico dos Mestres

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🇵🇹 OPINIÃO

Não sei se António Costa tenciona fazer a remodelação profunda do Governo que muita gente – incluindo eu — tem andado a sugerir como requisito essencial para repor o elan governativo que parece, nesta altura, seriamente comprometido.

Tão pouco sei, concordando o Primeiro-ministro com isso, quando é que o tenciona fazer (daqui a meses, daqui a um ano, depois das europeias, perto do final da legislatura…).

O que sei é que se António Costa estiver de facto a pensar fazê-lo, ontem deu aquilo que pode ser um passo vital para que isso tenha sucesso.

Uma das peculiaridades do contexto político actual é a manifesta dificuldade em recrutar titulares governativos fora de um restrito universo subjectivo. A base de recrutamento parece ter-se tornado dramaticamente exígua ao longo do último ano.

Muitos factores concorrem para isso. Refiro dois decisivos: poucos terão vontade em abandonar carreiras profissionais para integrar um Governo desgastado; poucos terão disponibilidade para incorporar um Governo em que, aparentemente, o Primeiro-Ministro não consegue “aguentar” os seus Ministros, quer face à opinião pública, quer face ao Presidente da República.

Com a decisão de 2 de Maio, que será uma das que constarão dos manuais de História política contemporânea, António Costa enviou uma mensagem simples: sou eu que mando, sou eu que decido, solitariamente, contra tudo e contra todos.

A mensagem tem três destinatários: o interior do Governo, a opinião pública (que tende a reagir positivamente a manifestações de autoridade em situações difusas, quando bem sustentadas) e o Presidente da República.

António Costa enviou uma mensagem simples: sou eu que mando, sou eu que decido, solitariamente, contra tudo e contra todos.

É quanto a este último destinatário que o pronunciamento se mostra mais arriscado. Na verdade, o que o Primeiro-Ministro faz é recentrar o funcionamento do sistema de Governo, reposicionando o lugar do Presidente da República.

Até Abril do ano passado, António Costa não tinha maioria parlamentar. A sua dependência do sustento do Presidente da República era a que é costumeira em sistema semi-presidencial quando o Governo não dispõe de maioria parlamentar.

Essa situação alterou-se em Abril de 2022, mas, seja por entendimento tácito ou por conservadorismo dos protagonistas, todo o primeiro ano do Governo de maioria absoluta se processou como se não tivesse havido alteração das circunstâncias políticas e o Presidente da República mantivesse a sua margem de manobra incólume.

O Primeiro-Ministro vem simplesmente fazer uma coisa: anunciar que, a partir de agora, o sistema de governo passa a funcionar nos moldes típicos de funcionamento quando existe uma maioria parlamentar: os moldes do sistema semi-presidencial de matriz primo-ministerial.

O que significa isto: reduzida margem de intervenção do Presidente; é o Primeiro-Ministro que é o imperturbado Chefe do Executivo, é ele que decide quem são os ministros, é ele que é responsável, sem partilha.

Não é bluff. Está no código genético de António Costa. Acabou o sistema de dois primeiros-ministros que vimos funcionar em algumas alturas críticas do passado recente, particularmente durante a pandemia.

É claro que se trata de uma jogada de alto risco. O Presidente pode dissolver a Assembleia da República praticamente sem qualquer constrangimento jurídico.

Basta a sua vontade e o cumprimento de alguns formalismos. Todavia, a ausência de constrangimentos jurídicos não significa que não haja fortes constrangimentos políticos.

E neste momento há um que só não é forte porque é fortíssimo: o Presidente sabe que uma dissolução ou dá um frágil Governo do PS, com maioria relativa, ou dá um Governo do PSD com o Chega lá dentro ou a fazer chantagem diária na AR.

Admito que o Professor Marcelo Rebelo de Sousa não quererá que a sua legenda futura como Chefe de Estado o descreva como aquele que encaminhou o Chega para a orla do poder, ou que criou condições para a belgificação do sistema. Porventura, António Costa faz o mesmo cálculo.

Sendo assim, aparentando dar um passo na direcção do abismo, é possível que a afirmação da autoridade, com cara de confrontação, efectuada pelo Primeiro-Ministro, seja afinal o que lhe permite tranquilizar internamente a sua equipa e, quiçá, começar a pensar em robustecer a solução governativa. O futuro o dirá.

Sá Carneiro e Mário Soares compreenderiam a opção de António Costa. Quase sempre venceram. Mas nem sempre.

Presidente da associação sem fins lucrativos Fórum de Integração Brasil Europa – FIBE, doutor em Direito e especialista em Direito Constitucional.

D.N.
Vitalino Canas
04 Maio 2023 — 00:17


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