“A empatia do Papa fez muitas das vítimas sentirem-se renovadas e renascidas”

 

ENTREVISTA // GRUPO VITA

A coordenadora do Grupo VITA, que apoia e acompanha vítimas de abusos sexuais por elementos da Igreja Católica, disse ao DN que o encontro com o Papa Francisco, na terça-feira, ao final da tarde, “fortaleceu o espírito de missão deste grupo”, que tudo fará pelas vítimas.

Psicóloga Rute Agulhas diz que se sentiu emocionada no encontro entre o Papa com vítimas de abuso sexual.
© Paulo Spranger Global Imagens

Em pouco mais de dois meses, o Grupo Vita recebeu 40 pedidos de ajuda de pessoas que dizem ter sido abusadas por elementos da igreja católica portuguesa, e pode vir a receber ainda mais depois da posição assumida pelo Papa Francisco, na terça-feira ao final da tarde, no encontro com 13 vítimas. O Papa pediu perdão e ouviu cada uma das vítimas. Depois deste encontro e posição do Papa, a psicóloga Rute Agulhas disse ao DN que espera que o grupo continue a “ter carta da branca” por parte da Igreja para continuar a trabalho, porque “ainda há muito a fazer”.

O Papa reuniu com 13 vítimas de abuso sexuais por membros da Igreja portuguesa. Pediu perdão. E agora? Como elemento do Grupo VITA o que espera da Igreja?
Desejo da parte da Igreja Católica em Portugal a continuação da postura de abertura e de disponibilidade para que o Grupo VITA possa prosseguir com o seu trabalho, sem qualquer tipo de exigências ou condicionantes. Espero continuar a sentir que o Grupo VITA tem “carta branca” para tomar as suas decisões e decidir o melhor caminho a seguir. Espero que a Igreja portuguesa continue a caminhar ao nosso lado, centrada nas vítimas e no seu processo de reparação. Com tolerância zero face aos abusos sexuais de crianças e adultos vulneráveis.

A Conferência Episcopal, num comunicado emitido, considerava que “este encontro foi um caminho para a reconciliação”, mas há dioceses que continuam com uma atitude mais reservada. Acredita que foi mesmo um encontro para a reconciliação?
Para as vítimas que estiveram presentes, acredito que tenha sido, efectivamente, um caminho de reparação e de reconciliação. Muitas vítimas perderam a sua fé e deixaram de acreditar na Igreja dos homens. Perante a serenidade, a capacidade de escuta e a empatia do Santo Padre, muitas destas pessoas sentiram-se renovadas e renascidas, com mais esperança em si e no futuro.

A questão do arquivamento dos processos, devido à data dos factos, tem sido um dos entraves à entrada de outros processos. Acredita que com esta posição do Papa seja possível alguma alteração?
Acredito que sim. Nas palavras do Santo Padre, as cicatrizes permanecem e estas situações de abuso não podem ser silenciadas. A Igreja tem escondido esta realidade debaixo do tapete e é necessário e imperioso torná-la visível e enfrentá-la. As palavras do Papa Francisco e a forma como se posiciona face aos abusos sexuais de crianças e adultos vulneráveis agitam consciências e obrigam-nos, a todos, a um processo de reflexão. E de acção. Ao Grupo VITA, o Santo Padre agradeceu várias vezes o trabalho que tem vindo a ser desenvolvido e incentivou a manter um caminho de escuta e de acompanhamento. Como coordenadora do Grupo VITA, posso afirmar que o espírito de missão de todos nós saiu fortalecido. Tudo faremos para ajudar as vítimas. Tudo.

Já se disse que foi um encontro em que o Papa escutou sobretudo as vítimas. O que sentiram estas pessoas? Pode transmitir-nos o que viu?
​​​​​​​Sim, eu e outros dois elementos do Grupo VITA (dra. Alexandra Anciães e dra. Joana Alexandre) estivemos presentes na sala durante o encontro do Santo Padre com as vítimas. Um terceiro elemento do Grupo VITA (dr. Jorge Neo Costa), a dra. Paula Margarido (representante da Equipa de Coordenação Nacional das Comissões Diocesanas) e o dr. Pedro Strecht (coordenador da ex-Comissão Independente) juntaram-se ao grupo no final do encontro. O Santo Padre mostrou total disponibilidade para escutar cada pessoa, individualmente, sem qualquer pressa. Cada pessoa partilhou aquilo que desejou, os seus pensamentos e sentimentos, as suas dores. O Santo Padre olhou, escutou e mostrou empatia por cada vítima. Foram momentos muito intensos que contribuíram para que cada pessoa se sentisse renovada e iluminada.

Porque quiseram estas vítimas encontrar-se com o Papa? O que acreditam que pode acontecer agora?
​​​​​​​Para todas estas vítimas, um momento privado com o Santo Padre era algo que corresponderia a algo que poderia contribuir para minimizar o seu sofrimento. Algo reparador e que permitisse continuar a acreditar que o caminho da recuperação seria possível. E assim foi. Para todas elas, sem excepção, foi um momento único nas suas vidas, precioso pela forma com que possibilitou sentirem-se verdadeiramente escutadas e compreendidas.

O Grupo VITA tem continuado a receber queixas de abusos? Quantas são já neste momento? A dimensão desta realidade aumenta? Que trabalho têm pela frente e o que pretendem continuar a fazer?
Sim, o Grupo VITA continua a receber a pedidos de ajuda, tradutores da confiança que as vítimas tem depositado em nós. Em pouco mais de dois meses de funcionamento recebemos quase 40 pedidos de ajuda. Temos pela frente muito trabalho, não apenas focado no atendimento e no encaminhamento de todas as pessoas que nos procuram, como também no que respeita à formação de numerosas entidades com quem temos vindo a articular, envolvendo estruturas da Igreja (como as comissões diocesanas, os institutos religiosos, os catequistas, os professores de Educação Moral e Religiosa Católica, as escolas católicas, etc.) e leigos (como a Direcção-Geral da Educação e a Ordem dos Advogados, entre outros). Temos ainda pela frente a elaboração de um Manual de Prevenção dos Abusos Sexuais no Contexto da Igreja Católica, um Programa de Prevenção dos Abusos Sexuais neste mesmo contexto e, ainda, diversos outros estudos que nos permitam compreender melhor esta realidade em Portugal. Temos mesmo muito trabalho pela frente.

Do ponto de vista pessoal, o que significou para si este encontro, enquanto psicóloga que tem acompanhado estas vítimas e como elemento do Grupo VITA?
Para mim, enquanto coordenadora do Grupo VITA, foi um momento muito inspirador e de confiança renovada. Sentimos que estamos no rumo certo e que o caminho da tolerância zero é, de facto, o único possível. Para mim, enquanto Rute Agulhas, psicóloga, foi um momento único e de muita intensidade emocional. Chorei. E saí segura de que esta é a minha missão.

DN
Ana Mafalda Inácio
04 Agosto 2023 — 00:14


Ex-Combatente da Guerra do Ultramar, Web-designer,
Investigator, Astronomer and Digital Content Creator



published in: 2 meses ago

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