SOCIEDADE // IDOSOS // NEGLIGÊNCIA
É a maior subida registada pela linha SOS Pessoa Idosa: no espaço de um ano, os casos de negligência entre os idosos vítimas de violência (em casa e em instituições) aumentaram 16%. Quase metade das denúncias advêm do abandono no que respeita a cuidados básicos.

A ausência de cuidados essenciais aos idosos é uma das principais queixas recebidas pelo serviço da Fundação Bissaya Barreto.
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Um aumento significativo dos casos de negligência para com idosos é o dado mais marcante do relatório da linha SOS Pessoa Idosa, que a partir da Fundação Bissaya Barreto, em Coimbra, regista denúncias de violência em todo o país.
O documento aponta para um aumento de 16% dos casos denunciados face ao ano anterior, sendo que está em causa a violência “praticada principalmente por familiares ou em instituições”.
De Maio de 2022 a Maio de 2023, aquele serviço contabilizou um total de 1785 denúncias, que chegaram através de contactos telefónicos, e-mails e articulações inter-institucionais. No total, as queixas resultaram na abertura de 251 processos internos.
A maioria das denúncias (59%) foram realizadas por e-mail e por telefone (41%). Ao longo deste último ano aquele serviço recebeu 301 pedidos de ajuda.
Marta Ferreira, assistente social da linha SOS Pessoa Idosa — que na manhã desta sexta-feira estará em directo nas redes sociais da Fundação a apresentar estes dados — clarifica o que considera como diferentes tipos violência: “Aqui entra a negligência activa, a omissão de auxílio intencional, a ausência de cuidados essenciais ao bem-estar da pessoa idosa, perpetrada fundamentalmente por familiares ou em contexto institucional”.
A técnica fala do abandono a vários níveis, a começar por “não garantir alimentação adequada, não assegurar que a pessoa tenha higiene ou negligenciar a toma da medicação de forma propositada”.
Já no que respeita aos lares, “há situações que nos são reportadas de utentes sem alimentação adequada ao estado de saúde, em que são administradas dosagens elevadas de medicação deixando os idosos mais prostrados, ou que acabam por dar entrada no hospital, vindos de uma instituição, em muitos casos subnutridos”.
Lisboa mantém-se como o distrito com maior percentagem de situações reportadas (27%), e Coimbra ocupa a segunda posição, com 12%
Marta Ferreira fala ainda da “auto-negligência, que também se insere nesta tipologia, e corresponde à incapacidade da pessoa idosa em perceber que precisa de ajuda”.
Mas a técnica realça também os casos de negligência “sem intencionalidade, passiva, por desconhecimento sobre a forma correta de tratamento, por cansaço do cuidador ou por acentuadas dificuldades financeiras”.
De resto, esse enquadramento social é destacado no relatório. “Nos casos que acompanhamos, esta negligência tende a ter por base problemas económicos, que impedem a contratação de um serviço de apoio, por exemplo, apesar de o cuidador agir sem dolo.
Os cuidadores não pretendem maltratar a pessoa idosa, contudo, nem sempre têm consciência de que estão a praticar actos negligentes, nomeadamente, quando os próprios também apresentam limitações físicas ou mentais que os impedem de cumprir os cuidados de forma adequada”, afirma.
Entre as causas para o aumento deste tipo de casos de negligência, Marta Ferreira não tem dúvidas de que figuram “baixas reformas, diminuição do poder de compra de bens essenciais à sobrevivência, condições de habitabilidade precárias, cancelamento de serviços de apoio por impossibilidade de pagamento, entre muitos outros factores que confluem num aumento das situações de pobreza e, concomitantemente, de negligência, nas camadas mais envelhecidas da população”.
Mais mulheres entre as vítimas
De acordo com a linha SOS Pessoa Idosa, a maioria das vítimas de violência são mulheres (62%), com idades compreendidas entre os 75 e os 84 anos. Cerca de metade das vítimas estão já em situação de viuvez (51%) e residem com familiares ou cuidadores (49%). As que vivem sozinhas são cerca de 40%, e apenas 11% reside numa instituição.
Entre as denúncias recebidas fica claro que os agressores são maioritariamente familiares das vítimas: 42% filhos/as e 38% são homens.
A violência psicológica aparece referida em 29% dos casos, o que significa um aumento de 3% face ao período homólogo em 2022. Em 11% dos casos é referida a violência financeira e agressões físicas, sendo que os casos de abandono se quedam pelos 6%.
Ao longo do último ano foram trabalhados 13 processos em conjunto com o Ministério Público, enquanto a Procuradoria-Geral da República foi responsável por 5% das sinalizações efectuadas ao Serviço SOS Pessoa Idosa.
Lisboa mantém-se como o distrito com maior percentagem de situações reportadas (27%), e Coimbra ocupa a segunda posição, com 12%, o que significa um aumento comparativamente ao ano passado.
Marta Ferreira acredita que este aumento pode justificar-se “pela maior divulgação do serviço a nível local e também mais conhecimento do trabalho desenvolvido pelo SOS por parte das entidades deste distrito”, onde afinal está sediado.
Os distritos de Setúbal e Porto seguem-no de perto, em números de denúncias.
Desde 2014, início da actividade do serviço, a Linha SOS Pessoa Idosa recebeu 2.203 pedidos de ajuda que resultaram na abertura de 1848 processos internos e na realização de 3.115 articulações com entidades que intervêm na área da violência/envelhecimento, como a Segurança Social, IPSS, autarquias, unidades de saúde e forças de segurança, entre outros.
O Serviço SOS Pessoa Idosa é uma resposta de intervenção social que integra uma linha, nacional e gratuita (800 102 100), com um serviço de atendimento directo e personalizado, incluindo também um serviço de mediação familiar.
A linha tem por objectivo principal apoiar e responder aos apelos de pessoas que vivem situações de violência ou que
delas têm conhecimento, garantindo sempre o anonimato de quem denuncia. Os casos podem também ser reportados através do e-mail sospessoaidosa@fbb.pt.
D.N.
Paula Sofia Luz
26 Maio 2023 — 00:12
Web-designer, Investigador
e Criador de Conteúdos Digitais
published in: 4 meses ago