Centenas repudiam “acto vil e mesquinho de humilhação post mortem” por parte de presidente da ERC

 

🇵🇹 ERC // REPÚDIO // MÁRIO MESQUITA

Uma “nota de repúdio” que qualifica de “ato vil e mesquinho” e “humilhação post mortem” a decisão do presidente da ERC, Sebastião Póvoas, de retirar o nome de Mário Mesquita da capa do livro no qual trabalhava quando morreu, reúne já centenas de assinaturas. Versão transmitida pela ERC ao DN é corrigida pela editora.

Mário Mesquita morreu aos 72 anos vítima de crise cardíaca.
© Gonçalo Villaverde / Global Imagens

“A retirada do nome de Mário Mesquita da capa do livro A Desinformação. Contexto Nacional e Europeu, a pedido do actual presidente do Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), é um ato vil e mesquinho, que atenta contra o inexcedível legado de Mário Mesquita e contra a dignidade do seu carácter.

(…) Os seus amigos, colegas, alunos e admiradores não poderiam, pois, deixar de manifestar o seu repúdio por aquilo que consideram ser um ato de humilhação post mortem.”

Intitulado “nota de repúdio”, este texto, que começou nesta segunda-feira a correr nas redes sociais, tinha a meio da tarde de terça mais de 300 assinaturas, incluindo dois ex-membros do Conselho Regulador da ERC, Estrela Serrano e Arons de Carvalho.

Outros nomes que saltam à vista na subscrição do texto de desagravo ao intelectual a quem o Presidente da República atribuiu a 30 de Maio, no velório, a Ordem da Liberdade, são os dos deputados Rui Tavares (Livre) e Porfírio Silva (PS), assim como o da eurodeputada socialista Margarida Marques e dos ex-parlamentares do BE Jorge Costa e Fernando Rosas.

Trata-se de uma reacção à notícia do DN que dá conta de que o juiz conselheiro Sebastião Póvoas, presidente da ERC, mandou retirar o nome do vice-presidente da instituição da capa do livro, agora posto à venda, em que trabalhava quando morreu, em maio, e de cuja elaboração era supervisor.

Como referido na notícia anterior, várias pessoas que acompanharam o processo mais ou menos directamente garantem que Mário Mesquita esteve, até ao seu desaparecimento, a dirigi-lo, e era o “mentor do projecto”.

Isso mesmo confirma também Ana Mesquita, a sua filha: “Sabia, pelo meu pai, que o livro estava feito e tinha sido entregue para revisão de gralhas, formatações.”

Entre os subscritores da nota de repúdio, diz ao DN a promotora desta iniciativa, Marisa Torres da Silva, professora do curso de Ciências da Comunicação da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Nova, a preponderância é de jornalistas e ex-jornalistas, incluindo muitos ex-alunos de Mesquita, que era professor da Escola Superior de Comunicação Social desde a década de 1990, como antes o fora na Universidade Nova, nos primórdios do respectivo curso de Comunicação Social (foi também fundador do curso superior de jornalismo da Universidade de Coimbra).

Na lista de signatários contam-se por exemplo Joaquim Fidalgo, ex-Provedor do Leitor do Público, José Pedro Castanheira, Adelino Gomes, Maria Flor Pedroso, José Leite Pereira, Jacinto Godinho, Helena Garrido, José Manuel Mestre, Pedro Coelho, Daniel Cruzeiro, João Garcia e Sofia Branco (ex-presidente do Sindicato de Jornalistas). Também o actual presidente do sindicato, Luís Filipe Simões, subscreveu.

“Achei que algo assim não podia passar sem repúdio”

“Amiga e admiradora” de Mário Mesquita, Marisa Torres da Silva diz ao DN conhecer o “clima de inimizade” -referido na notícia publicada por este jornal – existente entre ele e o presidente da ERC, e ter ficado chocada com o que considera “um ato indigno, absurdo e lamentável”.

“A colecção Regulação dos Media, da ERC, na qual foi publicado o livro em causa, foi criada e coordenada pelo Mário, enquanto vice-presidente. Eu própria trabalhei num livro da colecção, sobre discurso de ódio, e tenho meu nome na capa como coordenadora. Todos os livros da colecção têm na capa o nome dos responsáveis pela coordenação ou supervisão“, explica a académica.

“Achei que algo assim não podia passar sem repúdio, e como ao partilhar a notícia do DN nas redes sociais vi que havia muitas manifestações de indignação, resolvi criar esta forma de o exprimir”.

Já depois da publicação da notícia do DN, a Almedina, a editora da colecção Regulação dos Media, assumiu, em resposta a perguntas enviadas pelo jornal, ter recebido a versão final do livro A Desinformação. Contexto Nacional e Europeu a 15 de Julho de 2022, menos de dois meses após a morte de Mário Mesquita, que ocorreu a 27 de Maio.

Esta informação (parecendo confirmar a ideia de Ana Mesquita de que o livro estava praticamente pronto aquando da morte do pai) contrasta com aquela que o jornal recebeu da ERC, na qual se garante que a versão definitiva do livro, “miolo+capa”, só foi aprovada a 6 de Dezembro, e que a alteração se deveu a uma questão de “co-autoria”.

“No processo que antecede o lançamento de qualquer publicação é normal existirem, de forma continuada, adaptações no grafismo e conteúdos de texto”, escreveu a ERC em resposta ao DN.

“No caso em questão, uma das muitas situações que foi repensada foi a referência na capa aos responsáveis pela supervisão deste trabalho em perfeita igualdade, tendo-se optado por fazer essa menção apenas no interior da publicação, na respectiva ficha técnica.”

Na ficha técnica do livro, na categoria de supervisão, além do nome de Mário Mesquita, surge também o de João Pedro Figueiredo, membro do Conselho Regulador da ERC.

De acordo com um relato efectuado ao DN, com a morte de Mesquita a supervisão da colecção passou para o presidente da ERC, Sebastião Póvoas.

Este, perante o facto de a capa entregue à editora ostentar o nome do vice-presidente, quis substituí-lo pelo de João Pedro Figueiredo, que recusou. A decisão terá sido então a de publicar o livro sem menção de autoria na capa.

Ainda segundo o director editorial da Almedina, Ricardo Monteiro, a capa em que o nome do vice-presidente da ERC constava foi difundida no universo livreiro no final de Setembro, com indicação de que a obra seria lançada a 1 de Outubro (informação que ainda consta no site brasileiro da Almedina, assim como a capa com o nome de Mesquita).

Mas o lançamento “foi adiado a pedido da ERC”. E “a 20 de Outubro, por determinação do Senhor Presidente do Conselho Regulador da ERC”, foi recebida a ordem para suprimir o nome de Mário Mesquita.

Ricardo Monteiro assegura, em nome da Almedina, que a capa com o nome do vice-presidente da ERC “não chegou a ser impressa, e que não houve despesas relacionadas com essa alteração”.

O mandato de cinco anos do actual Conselho Regulador da ERC – que integra, além do presidente Sebastião Póvoas, e do já citado João Pedro Figueiredo, ainda Fátima Lima e Francisco Azevedo e Silva -, completou-se em Dezembro. A eleição do próximo CR, que chegou a estar prevista para 22 de Dezembro, deverá ter lugar esta semana.

D.N.
Fernanda Câncio
25 Janeiro 2023 — 00:35

 
Web-designer, Investigador
e Criador de Conteúdos Digitais
   
   
published in: 5 meses ago

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